O artesanato alagoano é uma das expressões mais autênticas da identidade cultural do estado. Presente nas mãos de homens e mulheres que preservam saberes passados de geração em geração, ele traduz a alma criativa de Alagoas em bordados delicados, cestarias trançadas, peças em madeira, cerâmica e tantas outras formas de arte popular.
Mais do que tradição, o artesanato se tornou uma importante ferramenta de desenvolvimento social e econômico para diversas comunidades, movimentando a economia criativa e fortalecendo territórios com suas riquezas culturais. Em cada cidade, vila ou povoado, há artesãos moldando histórias, criando oportunidades e mantendo vivas técnicas ancestrais que colocam Alagoas no mapa do artesanato brasileiro.
Mimos de Dona Peró
Em Capela, a 62 km de Maceió, o artesanato sempre esteve presente na vida de Luciana de Almeida Leite, desde a infância, quando fazia crochê, roupinhas de boneca e fuxico. O amor pelo trabalho manual se transformou em profissão ao se tornar professora de pintura em tecido na Escola Municipal de Artes de Capela, em 2005. Mas foi em 2008 que ela deu início a um projeto que mudaria sua trajetória e a de outras mulheres de seu município: o resgate do bordado manual inspirado na mestra local Dona Perolina, fundadora da escolinha em 1963.
“O meu maior desejo era resgatar essa arte que foi tão procurada no passado. Dona Perolina recebia encomendas de várias cidades e da capital para fazer enxovais, mas já não havia mais quem ensinasse. Então, pedi que ela me passasse esse conhecimento”, conta Luciana. Com a saúde fragilizada e as mãos trêmulas, aos 80 anos, Dona Perolina passou a ditar os pontos para a aluna, que rapidamente aprendeu e assumiu a missão de dar continuidade à tradição.
O projeto cresceu e, com ele, nasceu a Associação das Bordadeiras e Costureiras de Capela, carinhosamente chamada de Mimos de Dona Peró, fundada em 2012. “Antes, trabalhávamos informalmente, mas a Associação deu estrutura ao nosso trabalho. Começamos a contar a história da cidade através das nossas coleções bordadas, retratando festas como a de São Sebastião e a tradicional cavalhada”, explica.
Com o tempo, Luciana se tornou referência na cidade e na região, desenhando peças e coleções autorais, desde a escolha dos tecidos até a paleta de cores e os temas que representam a identidade cultural local. “Tenho muito amor em ensinar, principalmente a mulheres em situação de vulnerabilidade. Hoje, muitas me reconhecem como mestra e falam com carinho sobre o impacto que o bordado trouxe para suas vidas”, comenta emocionada.
Atualmente, a associação atende encomendas de diversas partes do Brasil e do exterior, bordando para estilistas renomados como Antônio Castro da marca Foz e Martha Medeiros, mas sem perder de vista a missão de preservar a memória cultural de Capela.
Dentro desse processo, o Sebrae teve papel importante de transformação. “O Sebrae foi uma virada de chave na minha vida e na da Associação. Sem capacitação, o artesão muitas vezes não sabe precificar ou vender seu produto. O Sebrae nos ajudou a enxergar o nosso ofício como um negócio, a sermos empreendedoras e a viver da nossa arte”, afirma.
Hoje, com mais de 16 anos de história e muitas coleções lançadas, Luciana e suas alunas bordam sonhos e oportunidades. “Me sinto uma artesã especial por ter recebido tanto apoio do Sebrae. Graças a essa parceria, conseguimos não só manter a tradição viva, mas também prosperar com ela”, finaliza.
“Durante muito tempo, o artesão era visto apenas como uma fonte de renda para atravessadores que levavam as peças até lojistas nos grandes centros urbanos. As comunidades não estavam organizadas em associações ou cooperativas e, mesmo os que trabalhavam individualmente, tinham pouco acesso a informações sobre precificação, divulgação e comercialização de suas obras”, explica Marina Gatto, gestora do Programa de Artesanato do Sebrae Alagoas.
A economia do artesanato
De acordo com a pesquisa “Estado da Arte do Artesanato Alagoano 2020”, realizada pelo Sebrae Alagoas, o setor no estado carrega uma riqueza cultural imensurável e um perfil que se manteve relativamente estável nas últimas duas décadas.
O artesanato alagoano é predominantemente feminino, com maioria dos profissionais entre 30 e 59 anos. Para 70% dos artesãos, a atividade ainda representa um complemento de renda e não a principal fonte de sustento. A transmissão de conhecimento ocorre, majoritariamente, de forma tradicional, passada de geração em geração dentro das famílias ou ensinada por mestres artesãos locais.
Cerca de 85% dos artesãos alagoanos possuem a Carteira Nacional do Artesão e aproximadamente 70% fazem parte de associações ou cooperativas, fortalecendo o trabalho coletivo e o acesso a novos mercados.
O levantamento identificou as principais tipologias artesanais presentes no estado: Rendas e Bordados, Cestaria e Fibras Vegetais, Trabalho em Madeira, Cerâmica, Couro e Peles, Retalhos e Tecelagem. Entre as regiões mais expressivas, a Região das Lagoas Mundaú-Manguaba — que abrange municípios como Maceió, Marechal Deodoro, Pilar e Santa Luzia do Norte — é um polo reconhecido pelo tradicional Bordado Filé. Já cidades como Piranhas e Porto Real do Colégio são conhecidas pelo Rendendê, enquanto Pão de Açúcar e Paripueira se destacam com a Renda Singeleza. Municípios como Água Branca, Murici e Coruripe mantêm viva a tradição da cestaria em ouricuri e cipó.
A atividade artesanal tem ainda um importante papel no fortalecimento de comunidades quilombolas e indígenas. O estudo mapeou a presença de artesanato quilombola em mais de 60 municípios, com técnicas que envolvem principalmente a cestaria e a cerâmica. Já o artesanato indígena, embora não tenha sido o foco da pesquisa, possui uma presença significativa em municípios como Palmeira dos Índios e Pariconha.
Desafios e potencial de mercado
O artesanato alagoano tem sido impulsionado nos últimos anos por marcas de moda e decoração, como é o caso da estilista Martha Medeiros, que reposicionou a renda alagoana no mercado de luxo nacional e internacional. Ainda assim, o setor enfrenta desafios como a dificuldade de acesso a matérias-primas sustentáveis e a falta de capital de giro. Além disso, muitos artesãos ainda esbarram em limitações para alcançar o mercado digital, apesar do aumento do uso de redes sociais como Facebook e Instagram.
Nos últimos anos, o Sebrae Alagoas tem se consolidado como um parceiro fundamental na transformação do setor artesanal em um verdadeiro motor para o desenvolvimento sustentável no estado. “O artesanato foi identificado como um dos principais portadores de futuro para Alagoas, integrando cultura, economia e conservação ambiental”, afirma Marina Gatto.
Entre as principais ações, o Sebrae Alagoas atua de maneira integrada, conectando o artesanato a outros setores estratégicos, como turismo e gastronomia, criando experiências que potencializam o valor da cultura local.
A instituição também promove a capacitação de artesãos com cursos em gestão de negócios, aprimoramento de técnicas e incentivo à inovação. Outro destaque é o estímulo ao associativismo e à formalização, ampliando o número de registros no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB). Além de fomentar o acesso dos artesãos a consultorias em design e marketing, além de apoiar o desenvolvimento de embalagens e a modernização de produtos, contribuindo para a agregação de valor e competitividade.
Com apoio do Sebrae, os artesãos alagoanos têm participado de feiras, exposições e eventos nacionais e internacionais, levando a produção local para vitrines de destaque e criando oportunidades de negócios. “Também atuamos para garantir que o artesanato alagoano participe de expedições comerciais e missões técnicas, sempre buscando expandir horizontes e posicionar nossos produtos de forma inovadora no mercado global”, completa Marina Gatto.