O prefeito do Recife, João Campos (PSB), nomeou Lucas Vieira Silva, filho de uma procuradora do TCE-PE (Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco), para o cargo de procurador judicial municipal. O salário do cargo divulgado no edital era de até R$ 26.023,23 por mês.
A nomeação foi recebida com surpresa, pois, no concurso, realizado em 2022, Silva disputou uma das 3 vagas na ampla concorrência e ficou em 63º lugar, conforme o resultado homologado em junho de 2023. Leia a íntegra do resultado (PDF – 438 kB). Porém, em maio de 2025, apresentou um laudo médico que lhe garantiu a única vaga destinada a PCD (pessoas com deficiência).
A nomeação de Silva foi publicada em uma edição extraordinária do Diário Oficial do Recife em 23 de dezembro. Leia a íntegra da publicação (PDF – 191 kB). Os documentos apresentados por Silva no processo administrativo estão sob sigilo no SEI (Sistema Eletrônico de Informações).
Silva é filho da procuradora de contas Maria Nilda Silva. O Poder360 entrou em contato com ela por e-mail para perguntar se gostaria de se manifestar a respeito da nomeação do filho. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital. O TCE-PE informa que está em recesso até 7 de janeiro.
De acordo com o resultado homologado em 2023, havia passado na vaga de PCD Marko Venicio dos Santos Batista. Após a nomeação de Silva, Batista publicou a seguinte nota em suas redes sociais:
“Em 2022, fiz um concurso para procurador do Município de Recife. Após todas as etapas, fui o único PCD classificado na lista. O concurso foi homologado em junho de 2023. No último sábado [20.dez], 2 anos e meio após a homologação, um candidato foi reclassificado administrativamente: saiu da ampla concorrência e entrou na lista PCD. A nomeação aconteceu logo em seguida, publicada ontem [23.dez], em edição extraordinária do Diário Oficial, à noite. Confesso que recebi essa notícia com um forte sentimento de injustiça, pois, a meu ver, essa medida afronta princípios básicos que deveriam garantir segurança a todos, como a vinculação ao edital, a impessoalidade e a isonomia. Diante dos fatos, foram adotadas as medidas legais cabíveis, restando agora aguardar a apreciação do Poder Judiciário”.
Procuradores municipais reagem
Também se manifestaram acerca do caso a ANPM (Associação Nacional das Procuradoras e Procuradores Municipais) e a APMR (Associação dos Procuradores do Município do Recife).
Em assembleia realizada em 26 de dezembro, os procuradores municipais da capital pernambucana decidiram se opor publicamente à modificação do resultado do concurso e pediram “a imediata suspensão da posse e do exercício do candidato” nomeado.
“A alteração posterior da lista de classificação afronta diretamente os princípios da segurança jurídica, da isonomia entre os candidatos, da proteção da confiança legítima e da vinculação ao edital”, afirmaram em nota.
A APMR acrescentou que houve “descumprimento do item 5.6.1 do Edital do concurso, uma vez que não houve participação de Procuradores do Município do Recife na avaliação biopsicossocial prevista no item 5.6, inexistindo, até o momento, notícia oficial acerca da realização regular de tal avaliação”.
Já a ANPM, sediada em Brasília (DF), manifestou “apoio institucional” à APMR. A associação nacional afirmou que considera “imprescindível que seja suspensa a posse e o exercício do candidato recentemente nomeado, até que as circunstâncias da alteração do resultado do concurso sejam esclarecidas com máxima transparência, com acesso às fundamentações técnicas e jurídicas, e com a adoção de medidas que preservem a confiança pública no certame e na instituição”.
Leia a íntegra da nota da ANPM:
“Nota pública
“A Associação Nacional das Procuradoras e dos Procuradores Municipais (ANPM) acompanha, com preocupação, as informações sobre a alteração do resultado final de concurso público para a Procuradoria do Município do Recife e seus desdobramentos recentes.
“A ANPM manifesta apoio institucional à Associação dos Procuradores do Município do Recife (APMR) e reconhece a legitimidade de sua atuação na defesa da legalidade, da segurança jurídica, da isonomia entre candidatas e candidatos e da estrita observância do edital — pilares que sustentam o concurso público e a credibilidade da Advocacia Pública Municipal e, em última instância, a integridade institucional.
“A cidadania se constrói com o respeito às regras e aos princípios constitucionais. Instituições sólidas são essenciais à República e à Democracia, e sua integridade depende de critérios transparentes e impessoais para o ingresso em seus quadros. Embora a chefia do executivo disponha de espaços legítimos de escolha para determinados cargos de direção, o provimento dos cargos efetivos da carreira deve observar, de forma rigorosa, as normas do edital e os princípios da impessoalidade e da igualdade, sem espaço, portanto, para manifestação de preferências políticas.
“A ANPM entende imprescindível que seja suspensa a posse e o exercício do candidato recentemente nomeado, até que as circunstâncias da alteração do resultado do concurso sejam esclarecidas com máxima transparência, com acesso às fundamentações técnicas e jurídicas, e com a adoção de medidas que preservem a confiança pública no certame e na instituição.
“Brasília-DF, 29 de dezembro de 2025
“Anne Karole Fontenelle, presidente da ANPM.”
Leia a íntegra da nota da APMR:
“Nota pública
“Os Procuradores do Município do Recife, reunidos em assembleia no dia 26 de dezembro de 2025, vêm a público manifestar formal oposição à modificação do resultado final do Concurso Público para o cargo de Procurador do Município do Recife.
“O resultado do certame foi regularmente homologado no ano de 2023. Na ocasião, a lista definitiva de aprovados na condição de pessoas com deficiência contava com apenas um candidato. Todavia, de forma surpreendente, houve a republicação do ato homologatório em dezembro de 2025, com alteração da lista final de candidatos aprovados.
“Nessa nova publicação, foi incluído, à frente do candidato que figurava sozinho na lista por mais de dois anos, outro concorrente que não se inscrevera originalmente como pessoa com deficiência.
“Registre-se que o candidato reclassificado somente apresentou pedido administrativo de alteração do resultado no ano de 2025.
“Em 23 de dezembro de 2025, foi publicado o ato de nomeação decorrente dessa modificação.
“A alteração posterior da lista de classificação afronta diretamente os princípios da segurança jurídica, da isonomia entre os candidatos, da proteção da confiança legítima e da vinculação ao edital.
“Além disso, verifica-se o descumprimento do item 5.6.1 do Edital do concurso, uma vez que não houve participação de Procuradores do Município do Recife na avaliação biopsicossocial prevista no item 5.6, inexistindo, até o momento, notícia oficial acerca da realização regular de tal avaliação.
“Diante desse cenário, os Procuradores do Município do Recife defendem a imediata suspensão da posse e do exercício do candidato nomeado em 23 de dezembro de 2025, que não constava originalmente da lista de candidatos com deficiência homologada em 2023, como medida necessária à preservação da segurança jurídica, da legalidade e da estabilidade da carreira.”
