
Nas lendas da Grécia Antiga, os deuses possuíam dons sensoriais que transcendiam o reino humano, como o olfato infalível de cães divinos. Hoje, a ciência nos aproxima dessa mitologia: pesquisadores descobriram que nós, meros mortais, possuímos o “tato remoto”, um sétimo sentido que nos permite perceber objetos sem tocá-los diretamente.
Essa descoberta inovadora, apresentada na Conferência Internacional IEEE sobre Desenvolvimento e Aprendizagem (ICDL) de 2025, é fruto de experimentos conduzidos na Queen Mary University of London e no University College London. Os cientistas testaram voluntários que, ao deslizarem os dedos pela areia com cubos escondidos embaixo, os detectaram com 70% de precisão. Como? Através de minúsculas ondas de pressão que se propagam pelo meio granular, como ecos em uma caverna subaquática.
Isso nos lembra que nossos sentidos não são gaiolas rígidas, mas redes flexíveis que se estendem pelo mundo.
Como funciona esse tato invisível?
Imagine como um radar de bolso: ao mover o dedo na areia, você cria pequenas deformações que refletem em objetos enterrados e retornam como vibrações sutis para a sua pele. Esses sinais mecânicos, imperceptíveis a olho nu, ativam receptores nas terminações nervosas, alertando sobre o que está escondido embaixo da terra.
No estudo, os participantes localizaram cubos a poucos centímetros de distância, superando em muito a probabilidade de acerto por acaso. Nenhum equipamento especial é necessário; a sensibilidade natural da mão humana, atuando como um sensor vivo, é tudo o que é preciso.
Researchers at Queen Mary University and UCL just proved that humans have a seventh sense; a kind of remote touch. They put peoples fingers in sand, buried solid cubes underneath, and somehow the participants felt the cubes before touching them. They didn’t guess. Not chance. pic.twitter.com/F2t9ijo0Mm
— Jason Wilde (@JasonWilde108) November 9, 2025
Os pesquisadores compararam isso aos maçaricos e borrelhos, aves que usam seus bicos para “ouvir” presas sob a areia úmida, detectando campos de pressão. Embora não tenhamos um bico tão especializado, nossa pele demonstra precisão semelhante: taxa de sucesso de 70,7%, em comparação com 40% para um robô treinado com algoritmos de inteligência artificial (IA).
Essa analogia com a natureza ressalta que a evolução nos dotou de uma gama de ferramentas sensoriais mais ampla do que imaginávamos, transformando um simples toque em uma exploração profunda.
Da praia ao espaço exterior
Essa descoberta não apenas amplia nossa compreensão dos sentidos — de cinco para pelo menos sete — como também revoluciona a tecnologia. Para pessoas com deficiência tátil, significa próteses que podem “sentir” à distância, como uma mão biônica que detecta obstáculos no escuro. Na robótica, inspira sensores para escavações arqueológicas delicadas ou resgates em escombros, onde a visão falha.

Mas vamos além: imagine robôs explorando a superfície de Marte, arenosa e hostil, ou o fundo do oceano repleto de sedimentos. Nesses casos, o tato remoto poderia tornar as missões mais seguras e eficientes, evitando danos a relíquias ou amostras preciosas. Zhengqi Chen, da equipe de pesquisadores, resume a ideia: “Isso abre portas para ferramentas que ampliam nossa percepção tátil”.
Refletindo sobre isso, somos levados a perguntar: quantos “sentidos” ignoramos na correria do dia a dia? Talvez aquela sensação intuitiva de formigamento ao entrar em uma sala vazia seja um eco semelhante.

Em última análise, essa descoberta nos reumaniza, lembrando-nos de que fazemos parte de um vasto ecossistema sensorial. Como nos filmes de ficção científica em que o herói “sente” o perigo iminente, a realidade nos mostra que já possuímos superpoderes latentes. Cultivá-los poderia transformar não apenas a ciência, mas também a forma como interagimos com o mundo: mais atentos, mais conectados.
E se o verdadeiro tesouro estiver em redescobrir o que sempre tivemos?
Referência da notícia
Touching Without Contact: We Physically Sense Objects Before Feeling Them. 07 de novembro, 2025. Lucia Graves.
