
Numa tranquila noite de outubro no vale glacial de Kjós, perto de Reykjavík, o entusiasta de insetos Björn Hjaltason notou algo incomum em seu jardim. O que ele inicialmente descreveu como uma “mosca estranha” se revelaria uma descoberta científica de proporções históricas: o primeiro mosquito selvagem documentado na Islândia.
Entre 16 e 18 de outubro de 2025, Hjaltason capturou três espécimes — duas fêmeas e um macho — usando barbantes embebidos em vinho para atrair mariposas, conforme relatado pelo portal de notícias islandês Iceland Monitor.
“Se três mosquitos pousaram diretamente no meu jardim, provavelmente havia mais”, refletiu Björn Hjaltason após sua descoberta histórica. Ele também especulou que os insetos poderiam ter chegado pelo porto industrial de Grundartangi, nas proximidades.
A descoberta foi confirmada por Matthías Alfreðsson, entomologista do Instituto Islandês de História Natural, que identificou os espécimes como Culiseta annulata, uma espécie de mosquito tolerante ao frio que habita principalmente o norte da Europa e pode ser encontrada desde o norte da África até a Sibéria.
Hjaltason compartilhou sua descoberta na página do Facebook “Insetos na Islândia”, escrevendo, com certo ironia, que “o último bastião caiu”, embora tenha reconhecido que ainda é cedo demais para saber se os insetos sobreviverão ao inverno islandês.
Até outubro deste ano, a Islândia compartilhava com a Antártica a distinção de ser um dos dois únicos lugares na Terra sem populações de mosquitos. Agora, o continente antártico permanece o último refúgio completamente livre desses insetos, de acordo com um relatório da Yale Environment 360. Essa transformação não é meramente anedótica: representa uma mudança fundamental na composição biológica de um ecossistema que permaneceu estável por milênios.
O fim de uma distinção geográfica única
A espécie Culiseta annulata é caracterizada como um dos maiores mosquitos, com uma envergadura de 13 a 15 milímetros e pernas distintamente listradas de preto e branco.
Ao contrário de muitas espécies de mosquitos, esta permanece ativa durante todo o ano em todos os seus estágios de vida — ovos, larvas, pupas e adultos — sem entrar em diapausa, o estado de dormência que muitos insetos adotam em condições adversas, de acordo com informações do governo britânico. Além disso, é a espécie de mosquito mais comum nas Ilhas Britânicas e foi introduzida no Canadá e no norte dos Estados Unidos.
O que é reconfortante, pelo menos em termos de saúde pública imediata, é que a Culiseta annulata não é conhecida por transmitir doenças a humanos, conforme confirmado no site Yale Environment 360.
No entanto, a professora Dina Fonseca, entomologista e diretora do Centro de Biologia de Vetores da Universidade Rutgers, disse à ABC News que essa espécie costuma depositar seus ovos em recipientes artificiais, como barris de água da chuva, baldes, cisternas, vasos de flores e pneus descartados, o que facilita sua disseminação para novas áreas.
O contexto climático da descoberta é impossível de ignorar, observa o The Guardian. A Islândia está aquecendo a uma taxa quatro vezes maior que o resto do Hemisfério Norte, impulsionada por um fluxo constante de ar quente vindo do sul, de acordo com a análise de temperaturas extremas na região feita pela rede World Weather Attribution.
Em maio de 2025, a ilha registrou seu dia mais quente já documentado, quando o Aeroporto de Egilsstaðir atingiu 26,6°C, enquanto diversas regiões experimentaram temperaturas mais de 10°C acima da média.
O papel do aquecimento acelerado do Ártico
A análise científica desse evento de calor extremo concluiu que as mudanças climáticas aumentaram as temperaturas em aproximadamente 3°C e tornaram esses eventos 40 vezes mais prováveis do que seriam em um clima sem influência humana. Desde 1980, a Islândia registra uma tendência de aquecimento de 0,47°C por década, quase três vezes mais rápida que a média global no mesmo período, segundo dados do Serviço Meteorológico Islandês.
Mosquitoes have been found in Iceland for the first time after the country experienced record-breaking heat this spring.
Iceland was one of only two mosquito-free havens in the world prior to the discovery, partly due to its cold climate. The only other recorded mosquito-free pic.twitter.com/oz5nLekQxi
— NewsWire (@NewsWireLK) October 22, 2025
Esse aquecimento acelerado não afeta apenas as temperaturas do ar. As geleiras da Islândia, que cobrem aproximadamente 11% do país, estão sofrendo um recuo sem precedentes.
A geleira Breiðamerkurjökull, por exemplo, recuou mais de 5 quilômetros e perdeu 11,2% de seu volume desde o final do século 19 até 2010, com um recuo anual atual de aproximadamente 96 metros e um afinamento da superfície de 3,5 a 6 metros por ano.
A questão que domina o debate científico é como exatamente esses mosquitos chegaram à Islândia e se a sua presença é resultado direto das mudanças climáticas. Alfreðsson levantou a hipótese de que os insetos poderiam ter chegado por meio de navios ou contêineres, particularmente do porto industrial de Grundartangi, localizado a apenas seis quilômetros do local da descoberta, como ele disse à CNN.
De fato, um mosquito de espécie diferente foi descoberto há alguns anos em um avião no Aeroporto Internacional de Keflavík, embora nunca tenha sido detectado na natureza.
