A dengue é uma das doenças infecciosas mais antigas e persistentes das regiões tropicais. Descrita há séculos na África e na Ásia, chegou ao Brasil de forma definitiva a partir da década de 1980, após a reintrodução do mosquito transmissor em território nacional. Desde então, espalhou-se por praticamente todo o país, tornando-se um problema crônico de saúde pública.
No Amapá, o cenário climático — marcado por calor intenso, chuvas abundantes e longos períodos de umidade — cria condições ideais para a manutenção do ciclo da doença, exigindo vigilância permanente, mesmo nos períodos de aparente redução no número de casos.
O responsável pela transmissão da dengue é o mosquito Aedes aegypti. De hábitos predominantemente urbanos, ele se reproduz em água parada, mesmo em pequenos volumes: tampas de garrafa, pratos de plantas, caixas d’água mal vedadas, pneus, calhas e recipientes esquecidos nos quintais. Um dos maiores mitos é associar a dengue apenas a áreas sem saneamento. O mosquito adapta-se facilmente a residências organizadas e bairros estruturados. Onde houver água parada, haverá risco.
A prevenção da dengue depende essencialmente do controle do ambiente. As medidas são conhecidas e eficazes: eliminar recipientes com água parada, manter caixas d’água bem fechadas, limpar calhas e ralos, descartar corretamente lixo e entulho e utilizar telas, repelentes e inseticidas quando indicados. As falhas costumam ocorrer pela descontinuidade das ações, pela falsa sensação de segurança quando os casos diminuem e pela crença equivocada de que a responsabilidade é apenas do poder público.
Não existe, até o momento, um medicamento específico capaz de eliminar o vírus da dengue. O tratamento é clínico e de suporte, baseado principalmente em hidratação adequada, repouso e uso de analgésicos e antitérmicos seguros. Medicamentos anti-inflamatórios e aqueles à base de ácido acetilsalicílico (AAS) devem ser evitados, pois aumentam o risco de sangramentos.
Pacientes com sintomas leves, como febre, dor de cabeça, dor no corpo, cansaço e mal-estar, não precisam necessariamente procurar imediatamente um pronto-socorro. A porta de entrada preferencial deve ser a atenção primária à saúde. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) e as UPAs fazem parte dessa rede e estão aptas para avaliação clínica inicial, orientação sobre hidratação, solicitação de exames quando necessários e acompanhamento da evolução do quadro.
Mesmo em pacientes inicialmente estáveis, a dengue pode mudar de fase, especialmente entre o terceiro e o sétimo dia da doença. Por isso, é fundamental reconhecer os sinais de alerta que exigem avaliação médica imediata: dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, sangramentos espontâneos, tontura, fraqueza intensa, desmaios, sonolência excessiva, confusão mental, diminuição do volume urinário ou queda da febre acompanhada de piora do estado geral.
A maioria dos pacientes evolui bem, mas parte deles pode desenvolver a chamada dengue grave, anteriormente conhecida como dengue hemorrágica. Entre as principais complicações estão sangramentos importantes, queda acentuada das plaquetas, extravasamento de líquidos e choque circulatório. Além disso, a dengue pode provocar encefalite, alterações neurológicas, miocardite, comprometimento do fígado e agravamento de doenças crônicas preexistentes. Essas formas exigem atendimento hospitalar imediato e podem ser fatais.
Nas crianças, a dengue pode se manifestar de forma diferente da observada nos adultos. Nem sempre a febre é alta ou persistente. Irritabilidade, sonolência excessiva, recusa alimentar, dor abdominal e vômitos repetidos são sinais de alerta. A desidratação ocorre rapidamente, tornando indispensável a avaliação médica precoce.
Nos idosos, a febre pode ser discreta ou até ausente. Confusão mental, queda de pressão, fraqueza súbita e piora rápida do estado geral devem ser valorizadas. Essa faixa etária apresenta maior risco de complicações e maior mortalidade.
Pacientes com doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, renais, pulmonares, doenças reumáticas e autoimunes, também devem ser acompanhados com maior cautela. A dengue pode descompensar doenças de base, mesmo em quadros aparentemente leves.
Nos casos moderados ou graves, especialmente quando há sinais de alerta, o atendimento deve ocorrer em unidades de maior complexidade. Em Macapá, crianças devem ser encaminhadas ao Pronto Atendimento Infantil (PAI) e adultos ao Pronto-Socorro Osvaldo Cruz, Hospital de Emergências do estado. Pacientes com plano de saúde contam ainda com hospitais habilitados para avaliação, classificação de risco e hidratação, como o Hospital São Camilo e o Hospital Marco Zero.
Mesmo quando há redução temporária no número de casos, a dengue continua sendo uma ameaça real no Amapá. Trata-se de uma doença cíclica, oportunista e diretamente relacionada ao comportamento humano e às condições ambientais. Relaxar a vigilância é abrir caminho para novos surtos.
A dengue não é apenas um problema médico, mas um reflexo da forma como cuidamos das nossas casas, das nossas cidades e do nosso meio ambiente. Combatê-la exige ações contínuas, educação em saúde e responsabilidade coletiva. Nem todo caso de dengue precisa de pronto-socorro, mas todo caso exige atenção. Enquanto houver água parada e descuido, o mosquito continuará presente. E, com ele, a dengue.
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