No final de 2025, o mercado de IA (inteligência artificial) da China se transformou em uma arena de acirrada competição. O que começou como uma corrida para treinar modelos de IA cada vez maiores evoluiu para uma disputa multifacetada por usuários, hardware, talentos e capital —colocando os gigantes da internet do país uns contra os outros e forçando startups antes aclamadas a fazerem escolhas estratégicas difíceis.
O Alibaba e a ByteDance estão no centro dessa disputa. Ambos estão implementando novos modelos básicos em ritmo acelerado, investindo pesadamente na promoção de aplicativos de IA para o consumidor e correndo para incorporar IA em smartphones e dispositivos vestíveis.
O controle da próxima geração de “gateways” digitais —as interfaces pelas quais os usuários pesquisam, se comunicam, compram e navegam— emergiu como o prêmio máximo do setor.
Ao mesmo tempo, um grupo de startups de IA está se lançando em direção a IPOs (ofertas públicas de ações), buscando acesso aos mercados de capitais para sustentar os altos custos de poder computacional e talentos em engenharia. Elas estão se esforçando para identificar aplicações práticas e defender uma posição em um cenário cada vez mais dominado pelos gigantes.
Wang Lixing, diretor executivo do banco de investimentos China Renaissance, afirmou que as avaliações iniciais das principais startups chinesas de IA foram impulsionadas, em grande parte, por expectativas especulativas em torno de modelos de grande escala.
Hoje, os investidores estão focados em saber se as capacidades dos modelos podem ser traduzidas em aplicações reais, o que força as startups a continuarem investindo em pesquisa fundamental de modelos.
A oportunidade de mercado é considerável. De acordo com a International Data Corp, o mercado de Maas (Model-as-a-Service) da China atingiu 1,29 bilhão de yuans (US$ 184 milhões) no 1º semestre de 2025, um aumento de 421,2% em relação ao ano anterior. O braço de nuvem da ByteDance, Volcano Engine, liderou o mercado com uma participação de 37,5%, seguido por Alibaba, Baidu e Tencent.
A Volcano Engine informou que mais de 100 clientes corporativos acumularam mais de 1 trilhão de tokens em uso. Em comparação, a OpenAI e a Amazon Web Services têm, respectivamente, mais de 30 e mais de 50 clientes que atingiram o mesmo patamar.
Subjacente a essa intensificação da batalha por aplicações de IA está uma acirrada competição por talentos. Em dezembro, a Tencent anunciou a contratação de Vinces Yao, um ex-pesquisador de 27 anos da OpenAI, como cientista-chefe de IA no escritório do CEO.
Isso ocorreu depois de uma campanha de recrutamento lançada em abril, na qual a Tencent prometeu adicionar 28.000 vagas de estágio nos próximos 3 anos, com ênfase na contratação de talentos técnicos.
Alibaba e ByteDance estão igualmente agressivas. A Alibaba Cloud está executando um programa global de talentos, com mais de 80% das vagas de estágio técnico para a primavera de 2026 na área de inteligência artificial.
A ByteDance continuará aumentando seus investimentos em talentos em 2026, prometendo elevar o teto salarial para garantir que a remuneração esteja à frente da dos principais concorrentes em todos os mercados.
De acordo com um relatório do site de busca de empregos Maimai, nos primeiros 10 meses de 2025, a ByteDance anunciou, de longe, o maior número de novas vagas em IA, liderando um top 5 que incluía Xiaohongshu, Ant Group, Alibaba e Tencent.
Se outra empresa de IA de sucesso como a DeepSeek surgirá, ainda é incerto. Mas, como observou Han Yan, sócio fundador da Soul Capital, as empresas de IA mais fortes são construídas diretamente sobre as capacidades dos modelos: somente melhorias contínuas no nível do modelo podem gerar resultados transformadores.
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BATALHA PELO CONTROLE
No cerne da competição está a corrida para controlar a próxima geração de portais de usuários. Wang afirmou que as mudanças tecnológicas anteriores —do offline para o online e, posteriormente, do desktop para o mobile— foram impulsionadas por mudanças no meio de interação, permitindo a redistribuição do tráfego e da influência e o surgimento de novos líderes.
“A IA generativa, no entanto, não traz uma mudança no meio”, disse ele. “Os portais de tráfego permanecem firmemente nas mãos dos gigantes da internet e da internet móvel.”
Essa realidade dá aos líderes estabelecidos uma vantagem decisiva. “Os gigantes de hoje são muito mais fortes do que os gigantes de antes da era da internet”, declarou.
Os gigantes consolidados estão se movendo rapidamente para implantar conjuntos de aplicativos de IA. Em 18 de novembro de 2025, o Alibaba renomeou o Tongyi, seu aplicativo de bate-papo com IA de 2 anos, para Qwen, reposicionando-o como um assistente de IA geral e um portal para serviços cotidianos que abrangem trabalho de escritório, navegação, saúde e compras.
Em poucas semanas, o serviço de mapas Amap, pertencente ao Alibaba, integrou o Qwen, permitindo gerar recomendações baseadas em localização usando os dados subjacentes do Amap em vez de simples respostas de texto.
A estratégia resultou em um rápido crescimento de usuários. O número de MAU (usuários ativos mensais) do Qwen ultrapassou 30 milhões, tornando-o um dos aplicativos de IA de crescimento mais rápido do mundo.
O Ant Group, afiliado fintech do Alibaba, também entrou na ofensiva. Lançou um aplicativo de IA multimodal chamado LingGuang em meados de novembro, que registrou mais de 2 milhões de downloads nos primeiros 6 dias.
Em 15 de dezembro, o Ant renomeou seu serviço médico de IA, AQ, para Afu, ampliando seu foco de consultas clínicas para gestão de saúde. Capitalizando sobre os cerca de 850 milhões de usuários do Alipay que vincularam seus cartões de seguro saúde, o Afu rapidamente alcançou 15 milhões de MAUs.
Esse rápido crescimento tem um custo. “Dezenas de milhões de usuários significam dezenas de milhões de yuans em gastos; milhões de usuários significam milhões de yuans”, disse uma fonte do setor.
Em uma avalanche de campanhas de marketing e aquisição de usuários, os gigantes estão elevando os custos de publicidade e dominando os rankings das lojas de aplicativos, criando um ambiente brutal para os concorrentes menores.
“O Qwen, do Alibaba, o Afu, da Ant, e o Doubao, da ByteDance, elevaram os custos de lances e classificação”, disse uma fonte do Ant Group à Caixin em meados de dezembro. Segundo a fonte, Alibaba e Ant destinaram grandes orçamentos à aquisição de usuários. “Eles estão competindo diretamente com a ByteDance porque precisam de sucessos em IA para impulsionar o moral.”
A ByteDance, que controla um dos mecanismos de tráfego mais poderosos da China por meio de seu aplicativo de vídeos curtos Douyin, consolidou sua liderança com o Doubao. Lançado em agosto de 2023, o assistente se beneficiou de iterações rápidas, recursos robustos em nuvem via Volcano Engine e acesso privilegiado à distribuição.
Em dezembro, a ByteDance afirmou que o uso médio diário de tokens do Doubao ultrapassou 50 trilhões, mais de 10 vezes o nível do ano anterior. A QuestMobile estima que o Doubao tenha 172 milhões de MAU, tornando-o o maior aplicativo de IA da China.
Executivos da ByteDance argumentam que o sucesso não se deve apenas ao tráfego. Um executivo da Volcano Engine disse que o Doubao reflete a ênfase da empresa na interação multimodal, citando recursos como um botão de entrada de voz centralizado, tempos de resposta rápidos e ativação de voz perfeita. “A compreensão da ByteDance sobre inteligência artificial e seu foco na multimodalidade são ambos muito fortes”, disse o executivo.
A empresa também está acelerando a monetização. Em outubro, o Doubao foi conectado às plataformas de e-commerce e serviços locais do Douyin, adicionando “cartões de produtos” que permitem aos usuários que buscam recomendações de compras clicar diretamente para concluir as compras.
O Alibaba, incomodado com o avanço da ByteDance, reorganizou seus esforços em IA voltados para o consumidor. O Qwen foi designado como o principal portal de IA para usuários do grupo e se tornou seu projeto que mais consome recursos, de acordo com uma fonte próxima à empresa.
Embora o Doubao mantenha vantagens em design e engenharia de produto, a fonte disse que o Alibaba acredita que as capacidades de seu modelo subjacente são mais fortes e espera reduzir a diferença por meio da otimização de produtos e operações.
A estratégia foi reforçada por uma reformulação organizacional. Em 9 de dezembro, o Alibaba fundiu suas unidades de Informação Inteligente e Interconexão Inteligente em um novo Grupo de Negócios de Consumo Qwen, reunindo o Qwen, o navegador Quark, hardware inteligente como óculos de IA, o navegador UC Browser e o leitor de e-books Shuqi sob uma única estrutura. O objetivo, segundo a fonte, é transformar o Qwen na principal interface através da qual o ecossistema da Alibaba oferece serviços com inteligência artificial.
O hardware surgiu como uma nova frente nessa batalha. Em outubro de 2024, a ByteDance lançou os fones de ouvido “Ola Friend”, seu 1º hardware inteligente integrado ao modelo Doubao. Fontes do setor disseram que a ByteDance também começou a desenvolver óculos com IA, com a equipe do Doubao responsável pela criação do sistema operacional de IA.
A Alibaba seguiu o exemplo em 27 de novembro com o lançamento de seus óculos Quark AI, com a assistente Qwen integrada a serviços como Alipay, Amap, Taobao e Fliggy, com planos de expansão para plataformas de música e viagens.
Em 1º de dezembro, a ByteDance apresentou uma assistente de IA para celular integrada a um novo smartphone desenvolvido em parceria com a ZTE. Ao integrar a IA no nível do sistema operacional, a ByteDance criou o que chama de “ponto de entrada em nível de sistema” capaz de operar em diversos aplicativos —desafiando diretamente um ecossistema móvel há muito dominado por aplicativos independentes como WeChat, Taobao e Meituan, e atraindo rápida resistência desses concorrentes.
STARTUPS BUSCAM UMA SAÍDA
Com as gigantes da internet chinesas consolidando sua vantagem, a maioria das startups de IA abandonou a corrida para criar superaplicativos voltados para o consumidor, concluindo que o custo de competir por pontos de entrada no mercado de massa tornou-se proibitivo.
Em vez disso, elas estão tentando equilibrar o investimento contínuo no desenvolvimento de modelos de grande escala com a necessidade urgente de encontrar caminhos viáveis para a comercialização.
Os dados dos usuários reforçam essa mudança. O assistente Kimi, da Moonshot AI, viu o número de usuários ativos mensais cair drasticamente —de um pico de 36 milhões em novembro de 2024 para apenas 9,7 milhões em setembro de 2025— forçando uma reflexão mais ampla em todo o ecossistema de startups.
Entre os “6 Tigres da IA”, um grupo de startups altamente valorizadas antes vistas como a melhor esperança da China em IA generativa, algumas recuaram completamente do treinamento de modelos fundamentais.
A Baichuan Intelligence, fundada pelo ex-CEO da Sogou, Wang Xiaochuan, começou a reduzir o investimento em modelos básicos no final de 2024 para se concentrar em aplicações na área da saúde. A 01.AI, lançada pelo proeminente investidor Kai-Fu Lee, abandonou o treinamento de modelos básicos em meados de 2024 para se concentrar em soluções específicas para os setores de jogos e serviços jurídicos.
Outras 4 empresas —Zhipu AI, MiniMax, Moonshot AI e StepFun— optaram por permanecer na corrida dos modelos básicos, apesar dos custos crescentes. A Zhipu e a MiniMax abriram capital em Hong Kong em dezembro, divulgando bilhões de yuans em financiamento acumulado, além de grandes prejuízos, impulsionados principalmente por gastos com poder computacional e pesquisa.
A Moonshot, cujo chatbot Kimi viu sua popularidade declinar, intensificou seus esforços no desenvolvimento de modelos básicos após a ascensão meteórica da concorrente DeepSeek, que destacou a importância estratégica da capacidade do modelo subjacente.
“O modelo mais inteligente vencerá no final”, disse Fu Qiang, membro da equipe técnica da Moonshot, observando que até 80% dos esforços da empresa agora são dedicados à pesquisa básica.
Em julho, a Moonshot lançou seu modelo K2 de última geração, com 1 trilhão de parâmetros no total e otimizado para tarefas de codificação e agentes, que rapidamente se tornou um dos modelos de código aberto mais discutidos na China e nos Estados Unidos.
A MiniMax seguiu uma estratégia semelhante, continuando a lançar modelos fundamentais para texto, voz e vídeo. Em outubro, lançou o M2, um modelo de código aberto Mixture-of-Experts projetado para equilibrar velocidade de inferência, custo e desempenho.
Cherie Shi, vice-presidente da MiniMax, disse que o modelo ganhou força entre desenvolvedores estrangeiros que não têm condições de usar ferramentas proprietárias caras, como o Claude Code da Anthropic. “O M2 é mais barato, mais preciso e mais rápido”, disse ela.
A StepFun criou um nicho em multimodalidade, lançando 29 modelos até o final de 2025, a maioria deles multimodais. Mantendo-se distante da competição por aplicativos para o consumidor final, posicionou-se como uma parceira fundamental para fabricantes de hardware, fornecendo modelos subjacentes para fabricantes de smartphones, incluindo Honor, OPPO e ZTE.
A Zhipu AI, por outro lado, tem se concentrado em clientes corporativos, oferecendo serviços que vão desde infraestrutura de computação até implantações de MaaS para setores como finanças e saúde.
A pressão financeira é substancial. Os registros de IPO mostram que, no 1º semestre de 2025, a Zhipu AI registrou um prejuízo líquido de 2,36 bilhões de yuans com uma receita de apenas 191 milhões de yuans, com despesas de computação atingindo 1,15 bilhão de yuans. A MiniMax reportou prejuízos de aproximadamente 3,6 bilhões de yuans nos primeiros 3 trimestres do ano.
Com os custos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) elevados, a capacidade das startups de IA de continuarem investindo em iteração de modelos e implantação de aplicações dependerá em grande parte do apoio do mercado de capitais.
Um executivo do escritório de Hong Kong de uma corretora internacional afirmou que a cidade provavelmente verá uma onda de IPOs de IA em 2026, incluindo fabricantes de GPUs e grandes empresas de modelagem, aumentando significativamente a participação da tecnologia no mercado.
“A capacidade de financiamento de Hong Kong será testada”, disse o executivo, traçando paralelos com o ciclo de IPOs de biotecnologia, quando muitas empresas deficitárias abriram o capital antes de atingirem viabilidade comercial. “Em última análise, elas precisam provar que alguém está disposto a pagar por IA.”
CORRIDA INTERMINÁVEL POR MODELOS
Apesar das estratégias divergentes, as gigantes e startups chinesas de IA concordam em um ponto: o desempenho no nível do modelo continua sendo a principal fonte de vantagem competitiva.
Empresas chinesas estão correndo para acompanhar os avanços da OpenAI, Google e Anthropic, mesmo reconhecendo que os controles de exportação dos EUA continuam limitando o acesso ao hardware de computação mais avançado.
Os pontos fortes da China residem em outro lugar —sobretudo em seu vasto contingente de talentos em engenharia e em seu ecossistema de código aberto em rápida expansão.
Um relatório da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz e da plataforma de roteamento de modelos OpenRouter constatou que os modelos de código aberto chineses emergiram como uma força global líder. Entre o final de 2024 e o final de 2025, a DeepSeek foi classificada como a provedora de modelos mais usada do mundo em volume de tokens, à frente de várias concorrentes ocidentais.
Esse impulso ajudou a reduzir os custos globais de IA, principalmente para desenvolvedores que não têm condições de usar modelos proprietários caros. Isso também reforçou o papel da China na aceleração da comoditização da IA, mesmo enquanto muitas empresas nacionais lutam para converter escala em receita sustentável.
Executivos esperam novos avanços na geração de imagens e vídeos, juntamente com a crescente importância de agentes de codificação e assistentes de voz, especialmente à medida que a IA avança para dispositivos vestíveis. No entanto, o progresso tecnológico por si só pode não determinar os vencedores a longo prazo.
O relatório da Andreessen Horowitz descreveu o que chamou de “efeito sapatinho de cristal”: quando um modelo se adapta bem o suficiente a uma aplicação de alto valor, ele se torna profundamente incorporado aos fluxos de trabalho, dados e experiência do usuário, reduzindo drasticamente os incentivos para a mudança, a menos que um concorrente ofereça um salto geracional em capacidade.
Por enquanto, o ecossistema de IA da China ainda busca essa combinação perfeita —aquela que pode transformar escala, talento e capital em retornos duradouros. Até lá, a corrida por modelos continua, consumindo recursos, remodelando mercados e impulsionando a IA cada vez mais para dentro da vida digital cotidiana.
Esta reportagem foi originalmente publicada em inglês pela Caixin Global em 29.dez.2025. Foi traduzida e republicada pelo Poder360 sob acordo mútuo de compartilhamento de conteúdo.
