Homeschooling: projeto de lei federal aprovado na Câmara divide pais de crianças e especialistas na Bahia

Homeschooling: projeto de lei federal aprovado na Câmara divide pais de crianças e especialistas na Bahia
Texto principal foi aprovado nesta quinta-feira (19), pelos deputados. Proposta altera Lei de Diretrizes e Bases da Educação e segue para o Senado. Câmara aprova projeto que regulamenta homeschooling

O projeto que regulamenta a prática do ensino domiciliar, conhecida como "homeschooling", aprovado na quinta-feira (19), na Câmara dos Deputados, divide opiniões de pais que têm divergências sobre a forma em que os filhos devem estudar. Com a conclusão, o texto segue para o Senado, e se aprovado, ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor.

O texto-base da proposta já havia sido aprovado na quarta (18), mas, para concluir a votação, os deputados precisavam votar os destaques, isto é, propostas que visam modificar a redação do projeto. Os destaques, então, foram analisados nesta quinta e todos acabaram rejeitados.

Entenda: o que é o 'homeschooling'

Saiba mais: os detalhes do projeto

Repercussão: entidades criticam

Desde 2013 que pais ou responsáveis devem, obrigatoriamente, matricular seus filhos, de 4 a 17 anos, nas escolas, devido à uma alteração feita na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) por meio da Lei nº 12.796. Anteriormente ao ano de 2013, os pais eram obrigados a colocar as crianças na escola a partir dos 6 anos.

O que dizem as pessoas a favor?

O projeto que regulamenta a prática do ensino domiciliar, conhecida como "homeschooling", foi aprovado nesta quinta-feira (19)

Reprodução/JN

O professor Higor Paiva, que trabalha em Salvador na formação dos pais que optaram pelo homeschooling, faz cronogramas anuais, orientações de indicações bibliográficas para os estudantes e ensina alguns conteúdos específicos para as crianças.

"Também faço a formação de pais e professores que atuam nessa mentalidade educacional", diz.

Para Higor, através de instruções de um tutor que tenha capacitação na área educacional, é possível que as famílias pratiquem homeschooling.

"Trabalho como instrutor de famílias que praticam homeschooling. Eles dão conta de ensinar algumas coisas e as outras que eles não têm condições temporais ou intelectuais, eu ensino", explica.

Assim como Higor, uma arquiteta paulista que está morando na Bahia é a favor do ensino em casa com apoio familiar. A mulher prefere não se identificar já que no Brasil, o ensino é obrigatório entre 4 e 17 anos.

A arquiteta ensina as filhas de 6 e 8 anos, e já começa a inserir a prática na educação do filho mais novo, de 3 anos.

"A gente tem uma rotina de estudos. Elas estudam pela tarde, enquanto o irmão mais novo dorme. Pela manhã a gente procura fazer atividades com outras crianças, natação, caminhada ao ar livre, ir no parquinho", conta.

O fator que faz com que a ela apoie o ensino domiciliar é a mudança de cidade, que ocorre com uma certa constância, devido ao emprego do marido. Além disso, para a arquiteta, a família é responsável pela educação dos filhos, tanto escolar quanto espiritual e emocional.

"Eu queria passar os valores que eu creio para elas, de forma completa e, em casa, eu consigo passar isso da forma que o governo pede junto com o que eu acredito", diz.

As meninas nunca foram para escola e a mãe detalha que não tem formação na área de educação, mas diz que consegue fazer o acompanhamento do conteúdo das filhas.

"Como elas ainda estão com idade de Ensino Fundamental, segundo a ABCC, pela idade, todo o conteúdo aplicado a elas eu tenho conhecimento e consigo aplicar", afirmou a mãe das meninas.

A arquiteta conta ainda que faz um cronograma anual para as meninas, detalhado por semana.

"Quando chega um assunto que eu não me lembre, eu faço uma pesquisa, vou estudar. Leio livros sobre o homeschooling e pesquiso em materiais didáticos para atualizar o que precisa".

As crianças estudam português e matemática com materiais diferentes. Já os assuntos das outras disciplinas são passados na mesma aula. "Cada uma faz o que compete a sua idade", afirma.

A mãe conta que fez um planejamento pedagógico até o final do ano e pensa se haverá possibilidade de matricular os filhos em 2023. "Ainda não excluí a ideia de matricular elas em uma escola".

O que dizem as pessoas contra?

Débora Irineu tem um filho de 4 anos e é contra o ensino domiciliar

Arquivo Pessoal

Em Salvador, a professora Débora Irineu, de 30 anos, mãe do pequeno Theo, de 4 anos, é contra o ensino domiciliar. Para a educadora, que tem um filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o homeschoolig não funciona e a escola é muito importante para as crianças.

"A gente pode concordar que há um problema no nível educacional do nosso país, mas a gente não pode apresentar uma solução individual para um problema coletivo. Além disso, a escola tem um papel social que vai muito além aprender um conteúdo específico", opina Débora.

Para a professora, a escola é responsável pela sociabilidade na convivência com os pares.

"O próprio processo de construção do conhecimento se dar a partir da troca, da diversidade. Fica muito mais enriquecedor a troca, a diversidade, a cultura, saber conviver com o outro, encontrar alternativa em conjunto".

"A gente já vive em um mundo com tanta rispidez, polarização. A gente precisa aprender a lidar com as divergências, com as pessoas diferentes, e para isso é preciso ocupar outros espaços, outras instituições", concluiu.

Outra preocupação de Débora é a formação e preparação dos pais que vão ensinar os filhos.

"É obvio que a gente vai ter vários pais e mães que vão ter o conhecimento sobre determinada áreas, mas a didática não é a mesma do que ter o conteúdo. As pessoas passam cinco anos na faculdade para aprender a como ensinar para as crianças", afirmou a professora.

Por último, a mãe de Théo também lembrou da suspensão das aulas presenciais durante a pandemia da Covid-19 e considerou que a mudança para o ensino remoto não foi eficaz para as crianças.

"Óbvio que não é na perspectiva do homescholling, mas o que a gente conversa com os outros pais é que o nível de aprendizagem foi muito baixo. Esse tipo de atividade sobrecarrega as mães, que trabalham as vezes em mais de uma jornada e vão ter que amparar os filhos", conta.

A psicóloga Claudia Cavalcante, especializada em psicopedagogia, diz não ver vantagens no homeschoolig.

"Não acho que os pais estão preparados para favorecer a aprendizagem significativa das crianças. A não ser que os pais sejam extremamente especializados".

Claudia Cavalcante contou que não acredita que a preparação feita por um professor para os pais da criança seja definitiva e conclusiva.

"Você passa por cinco anos na faculdade, aonde você ver várias teorias, abarca uma série de conhecimentos, como é que esse professor vai preparar esse pai em tão pouco tempo? Que formação é essa que não é acadêmica?", questionou.

Ensino domiciliar

Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido no país por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) — leia detalhes mais abaixo.

O texto aprovado pela Câmara altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para admitir o ensino domiciliar na educação básica (pré-escola, ensino fundamental e médio).

A educação domiciliar é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores. O tema estava entre as metas prioritárias para os primeiros 100 dias de governo.

'Homeschooling' no Brasil

O ensino domiciliar não é permitido no país porque, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não há lei que regulamente o "homeschooling".

No julgamento, a maioria dos ministros entendeu que é necessária a frequência da criança na escola, de modo a garantir uma convivência com estudantes de origens, valores e crenças diferentes, por exemplo.

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O que diz o projeto aprovado

Pelo projeto aprovado pela Câmara, passa a ser admitida a "educação básica domiciliar, por livre escolha e sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estudantes".

Para optar por esta modalidade de ensino, os responsáveis deverão formalizar a escolha junto a instituições de ensino credenciadas, fazer matrícula anual do estudante e apresentar os seguintes documentos:

Comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante;

Certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis;

Relatórios trimestrais com a relação de atividades pedagógicas realizadas no período;

Acompanhamento com um docente tutor da instituição em que a criança estiver matriculada e que sejam realizados encontros semestrais com o estudante e os responsáveis;

Avaliações anuais de aprendizagem;

Avaliação semestral do progresso do estudante com deficiência ou transtorno de desenvolvimento.

A proposta estabelece também um período de transição em relação à exigência de comprovação de escolaridade de nível superior, caso os responsáveis escolham "homeschooling" nos dois primeiros anos após a regulamentação entrar em vigor.

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