Como foram resolvidas as 3 grandes crises entre China e EUA por Taiwan

Como foram resolvidas as 3 grandes crises entre China e EUA por Taiwan
Histórico mostra as soluções encontradas por essas nações em tempos passados. Soldado vigia estreito de Taiwan, nas ilhas Matsu, as mais próximas do continente sob controle taiwanês

GETTY IMAGES/via BBC

A visita a Taiwan da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, pode ter dado início à quarta grande crise no estreito de Taiwan?

A viagem de Pelosi à ilha que a China considera parte do seu território, uma província "rebelde", aumentou a tensão entre Washington e Pequim até níveis que não eram vistos há décadas.

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O desafio de Pelosi para demonstrar "o compromisso inabalável dos Estados Unidos de apoiar a vibrante democracia de Taiwan" foi recebido com manobras militares chinesas no mar que rodeia a ilha, que incluem a previsão de navegar nas próprias águas territoriais taiwanesas.

Em um contexto internacional de alta tensão, muitos receiam que os dois países tenham iniciado um caminho que pode levar a uma crise diplomática, política e até militar, como já aconteceu no passado.

Mas quais foram as outras três grandes crises enfrentadas pelos Estados Unidos e pela China por conta de Taiwan?

Primeira crise do estreito de Taiwan (1954-1955)

A primeira crise ocorreu logo depois da Guerra da Coreia (1950-1953), quando os Estados Unidos consideravam que o estreito de Taiwan, que separa a China continental da ilha — então chamado de "estreito de Formosa" - deveria permanecer neutro.

Chiang Kai-shek havia fugido do continente para Taiwan em 1949, depois que o seu grupo, formado pelos nacionalistas do Kuomintang, perdeu a Guerra Civil Chinesa (1927-1937 e 1946-1949) contra os comunistas liderados por Mao Zedong.

Em agosto de 1954, decidido a reconquistar o território continental, o Kuomintang destacou tropas para as pequenas ilhas de Quemoy e Matsu — muito próximas do litoral do continente.

A resposta da China continental (a República Popular da China, comunista) foi bombardeá-las intensamente. O conflito estendeu-se para outros arquipélagos também controlados pela China nacionalista (a República da China, em Taiwan), causando a morte de dois cidadãos norte-americanos.

Líder nacionalista Chiang Kai-shek passa em revista tropas norte-americanas no navio USS Wasp, em águas territoriais de Taiwan

GETTY IMAGES/via BBC

Ante o temor de que os comunistas acabassem tomando Taiwan e consolidando sua influência na Ásia, Washington assinou com a ilha, em dezembro de 1954, o Tratado de Defesa Mútua entre os Estados Unidos e a República da China.

As hostilidades somente cessaram quando os Estados Unidos anunciaram publicamente sua disposição de utilizar armas nucleares contra a República Popular da China para defender Taiwan. A União Soviética apoiava Pequim, mas não deu sinais de querer restabelecer o equilíbrio nuclear ante as ameaças.

As partes acabaram negociando, mas o conflito ficou latente. Tanto a China comunista quanto Taiwan usaram os três anos seguintes para reforçar seus armamentos. E, com a ameaça nuclear, Pequim iniciou seu próprio programa nuclear em 1955.

Segunda crise (1958)

Mao Zedong retomou os bombardeios de Quemoy e Matsu em 1958, com a intenção de expulsar dali as tropas nacionalistas e retomar o controle das ilhas.

Isso reativou o conflito e o então presidente norte-americano, Dwight Eisenhower, pressentiu que, se os comunistas tomassem aqueles pequenos arquipélagos, poderiam acabar invadindo Taiwan. Eisenhower então decidiu apoiar e reforçar as tropas taiwanesas.

Os Estados Unidos responderam ao pedido de ajuda enviado pela República da China, segundo o acordo de defesa mútua assinado em 1954. A Sétima Frota da marinha norte-americana, sediada no Japão, foi reforçada e seus navios ajudaram o governo nacionalista a proteger as linhas de abastecimento das ilhas.

Diversos esquadrões da força aérea norte-americana também se estabeleceram em Taiwan.

Soldados taiwaneses apontam um canhão para a China nas ilhas Matsu

GETTY IMAGES/via BBC

A ameaça nuclear voltou a pairar sobre o conflito e a República Popular da China interrompeu os bombardeios.

Por fim, as duas partes chegaram a um acordo muito curioso. Comunistas e nacionalistas se bombardeariam em dias alternados — um pacto que evitava a escalada do conflito. Muitas vezes, eles lançavam apenas folhetos de propaganda.

Esta situação prolongou-se até 1979, quando os Estados Unidos reconheceram a República Popular da China e estabeleceram relações diplomáticas com o governo de Pequim.

No mesmo ano, o Congresso norte-americano também aprovou a Lei de Relações com Taiwan, que está em vigor até hoje. Segundo essa lei, Washington compromete-se a fornecer ao governo da ilha as ferramentas necessárias para defender-se em caso de ataque.

A Lei de Relações com Taiwan permitiu cultivar por anos uma "ambiguidade estratégica" para dissuadir Pequim de anexar o território e impedir Taiwan de declarar sua independência unilateral.

Terceira crise (1995-1996)

A última grande crise ocorreu em 1995, com a visita do então presidente taiwanês Lee Teng-hui à Universidade Cornell, em Nova York (Estados Unidos), onde ele havia estudado.

Lee Teng-hui aplaudido em uma cerimônia na Universidade Cornell, em Nova York (Estados Unidos), em 1995

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A China considerou essa visita uma traição norte-americana ao seu compromisso de respeitar o conceito de "uma só China". Este conceito estabelece que os países só podem estabelecer relações diplomáticas com Pequim e não com a "província rebelde" (segundo considera a China continental) de Taiwan — o mesmo argumento utilizado agora com a visita de Nancy Pelosi.

O gigante asiático respondeu na época com meses de exercícios militares, lançando baterias de mísseis sobre as águas taiwanesas e até ensaiando uma invasão da ilha com meios anfíbios.

Já os Estados Unidos responderam com o maior deslocamento de forças militares na Ásia desde a Guerra do Vietnã. Navios de guerra norte-americanos chegaram a transitar pelo estreito de Taiwan.

No ano seguinte, nos dias anteriores à eleição presidencial taiwanesa de 1996, Pequim tentou amedrontar o eleitorado de Taiwan para que se abstivesse de votar em Lee Teng-hui, disparando outra rodada de mísseis.

Mas a estratégia não funcionou. Lee venceu com 54% dos votos — mas as duas potências estiveram muito próximas de um conflito militar.

Este texto foi originalmente publicado em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62462479