Entenda como, a cinco meses da eleição, Daniel Ortega mina a oposição na Nicarágua

Entenda como, a cinco meses da eleição, Daniel Ortega mina a oposição na Nicarágua
Três pré-candidatos são presos em uma semana, sob alegações de lavagem de dinheiro e traição. Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, em foto no dia da Independência do país, 15 de setembro de 2020

Presidência da Nicarágua/Cesar Perez/Handout via Reuters

Desde que foi eleito pela segunda vez presidente da Nicarágua, em 2007, Daniel Ortega atacou instituições democráticas, alinhando-as ao governo, instituiu a reeleição indefinida e perseguiu, com mão pesada, opositores e jornalistas. Com a mulher e vice-presidente Rosario Murillo, moldou o país como um regime totalitário com falso verniz democrático, realizando eleições a cada cinco anos, mas sem alternância de poder.

Aos 75 anos, a cinco meses das eleições, o ex-revolucionário sandinista Ortega está pronto para concorrer ao quarto mandato e afasta, um a um, os candidatos que o desafiam.

Em apenas uma semana, três deles foram presos pelos motivos mais insensatos.

Filha da ex-presidente Violeta Chamorro, que governou a Nicarágua entre 1990 e 1997, e líder opositora, Cristiana Chamorro está em prisão domiciliar, incomunicável desde quarta-feira passada. Sob a acusação de lavagem de dinheiro, teve a casa invadida, as contas bancárias bloqueadas e os direitos políticos cassados.

Ela presidia a Fundação Violeta Chamorro Barrios de Chamorro, que treinava jornalistas independentes e defendia a liberdade de expressão na Nicarágua, até ser forçada, em fevereiro passado, a encerrar suas atividades. A entidade não se enquadrava na Lei de Agentes Estrangeiros, aprovada em outubro pela Assembleia de maioria governista.

A legislação serviu de pretexto para barrar opositores, tornando ilegal o financiamento de ONGs. O pretexto para a acusação de lavagem de dinheiro foram as doações da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) à fundação. Além de Chamorro, impedida de concorrer às eleições de novembro, dois funcionários foram presos.

Outro pré-candidato, o ex-embaixador da Nicarágua nos EUA Arturo Cruz Sequeira, teve o mesmo destino, ao desembarcar em Manágua no sábado, procedente de Washington. A alegação para a prisão se baseou em outra polêmica lei, aprovada em dezembro, batizada de Guilhotina. Quem organiza protestos ou aplaude sanções aplicadas contra o regime é considerado traidor e, por consequência, torna-se inelegível.

A mesma lei serviu para mandar, nesta terça-feira, o pré-candidato Felix Maradiaga, da Unidade Azul e Branco, para a prisão. A polícia enumerou uma longa lista de acusações contra ele: “praticar atos que comprometem a independência, a soberania e a autodeterminação, incitar a ingerência estrangeira e pedir intervenções militares e organizar-se com o financiamento de potências estrangeiras para executar atos de terrorismo e desestabilização.”

Como explicou o escritor Sergio Ramirez, ex-vice-presidente de Ortega entre 1986 e 1990, o Estado de Direito deixou de existir na Nicarágua. “O resto é ficção e imitação. E, enquanto isso, o abismo se amplia a nossos pés”, escreveu ele em artigo no jornal espanhol “El País”.

Como guerrilheiro, Daniel Ortega liderou a revolução sandinista que derrubou a sanguinária dinastia Somoza, no comando do país por quase meio século. Como presidente, se eterniza no poder, ostentando o título de ditador.