Depois de um infarto, declínio das habilidades cognitivas é mais rápido

Depois de um infarto, declínio das habilidades cognitivas é mais rápido
Pesquisadores se basearam em dados de 31 mil participantes de seis estudos de longo prazo “Precisamos nos conscientizar de que há uma relação íntima entre o que acontece no coração e no cérebro. Por isso, quando controlamos os fatores de risco para um infarto, também estamos protegendo o cérebro. As informações mostram que, quando uma pessoa sofre um ataque cardíaco, isso é prejudicial para seu cérebro ao longo do tempo”, afirmou Michelle C. Johansen, professora de neurologia na Universidade Johns Hopkins e principal autora de um trabalho apresentado no começo do mês na conferência internacional da Associação Americana de Acidente Vascular Encefálico.

Michelle C. Johansen, professora de neurologia na Universidade Johns Hopkins: “os dados mostram que, quando uma pessoa sofre um ataque cardíaco, isso é prejudicial para seu cérebro ao longo do tempo”

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A pesquisa é especialmente relevante porque examinou o impacto de um evento cardíaco súbito nas habilidades cognitivas, tanto no curto quanto no longo prazo. Foram analisados os dados de seis estudos de longo prazo, realizados entre 1971 e 2017, com um total de 31.377 norte-americanos: 56% eram mulheres e a idade média era de 60 anos quando foi feita a primeira avaliação. Para ser incluído, o participante não podia ter sido vítima de um infarto, nem sido diagnosticado com demência. Eram aplicados testes de memória, função executiva (para medir a capacidade de planejar e tomar decisões complexas) e cognição global, que abrangia questões tanto de memória quanto de função executiva.

As pessoas foram acompanhadas por um período que variou de 4.9 a 19.7 anos – em média, 6.4 anos – e 1.047 delas infartaram. Esse grupo, em comparação com quem que não tinha tido problemas, não apresentou nenhum declínio cognitivo significativo logo após o evento. Entretanto, o declínio na memória, nas funções executivas e na cognição global se ampliava nos anos seguintes ao ataque cardíaco. Os especialistas acreditam que alguns mecanismos podem ser atribuídos a esta associação: danos ao cérebro causados por derrames silenciosos, isto é, pequenos a ponto de não serem reconhecidos como um acidente vascular encefálico, mas capazes de prejudicar o suprimento de sangue e oxigênio; ou a possibilidade de um infarto mudar a estrutura do coração e acentuar o risco de coágulos diminutos chegarem ao cérebro.

Mês passado, um outro levantamento, da Sociedade Europeia de Cardiologia, alertava para o fato de um em cada cinco pacientes com doença cardiovascular utilizar drogas como antidepressivos e outros medicamentos psiquiátricos, o que dobraria a chance de morte prematura. A pesquisa, baseada em informações sobre 12 mil indivíduos, foi publicada no “European Journal of Cardiovascular Nursing”. “Nosso estudo mostra que é comum que pacientes com doenças cardiovasculares façam uso de psicotrópicos. Na verdade, um em cada três tem sintomas de ansiedade e todos deveriam ser periodicamente avaliados para o mapeamento de algum tipo de desordem mental. No entanto, é importante lembrar que a prescrição de um psicotrópico indica um problema que, eventualmente, pode contribuir para o risco aumentado de morte”, comentou seu autor sênior, Pernille Cromhout, do Hospital Universitário de Copenhague.

Sempre vale a pena reforçar duas questões que abordei em diversas colunas e que voltam à berlinda em pesquisas recém-saídas do forno. A primeira diz respeito ao isolamento e à solidão, que aumentam em até 27% o risco de doenças do coração em mulheres mais velhas – de acordo com estudo da Universidade da Califórnia, San Diego, realizado com quase 58 mil mulheres. John Bellettiere, um dos autores, explica: “o isolamento social é estar afastado fisicamente das pessoas, sem ver, conversar ou tocar os outros; já a solidão pode ser vivida mesmo por quem mantém contato com amigos e familiares”. Entre os adultos acima de 65 anos, 25% relatam enfrentar isolamento e um terço dos que têm 45 ou mais se descrevem como solitários. A segunda é sobre o tabagismo: quem fuma tem pior desempenho nos testes cognitivos, ainda que não apresente outros fatores de risco, como hipertensão e diabetes. Recapitulando: o que é ruim para o coração, também é ruim para o cérebro. E vice-versa.