De influenciadores a empresários: criadores de conteúdo abrem suas próprias empresas para depender menos das redes sociais

De influenciadores a empresários: criadores de conteúdo abrem suas próprias empresas para depender menos das redes sociais
Desvincular o faturamento da própria imagem, cansaço com os algoritmos e deixar as 'amarras' das redes sociais estão entre os motivos que fizeram influenciadores investirem em negócios mais clássicos. Camila Coutinho, Alexandre e Lucas, Lu Ferreira: o trabalho nas redes sociais expande fronteiras para o empreendedorismo clássico

Divulgação/Arte g1

De tempos em tempos, crianças e adolescentes dão uma nova a resposta quando são perguntadas sobre qual a “profissão dos sonhos”. Mas o estouro da “economia da internet” deixa claro que tornar-se um influenciador virou objeto de desejo até dos mais crescidos.

Um estudo da consultoria de big data SignalFire mostra que há mais de 50 milhões de criadores de conteúdo espalhados pelo mundo, entre profissionais e amadores. São produtores, curadores, influenciadores, blogueiros, donos de canais de vídeo e tantas outras ocupações.

O objetivo é claro: formar uma base de seguidores e monetizar o conteúdo. E, de “publi” em “publi”, há milhares de exemplos de novos milionários que apostaram tudo na internet.

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Mas há quem tenha chegado lá e agora pense em dar um respiro. O g1 mostra como pensam influenciadores de sucesso que, depois de navegarem onde poucos conseguiram, voltaram os olhos para o empreendedorismo clássico.

Em comum, querem aproveitar a experiência de sucesso online, mas depender menos da própria imagem para trazer rendimentos do trabalho.

Camila Coutinho

Camila Coutinho chegou na internet “quando tudo era mato”. Ela faz parte da geração de blogueiras que ajudou a inaugurar os blogs de moda do mundo. Em 2006, criou o “Garotas Estúpidas”.

De lá pra cá, a pernambucana se tornou referência no mundo dos influenciadores: tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram e fatura milhões com a marca pessoal que surgiu do antigo blog. Dois anos atrás, partiu também para o mundo dos negócios com uma linha de cosméticos para os cabelos, a GE Beauty.

“Em mais de uma década, o modelo de negócio de blogueira mudou bastante. O mercado se sofisticou, amadureceu e eu também fui melhorando a minha estrutura. Meu negócio é muito rentável, porque tem uma estrutura enxuta e o produto sempre fui eu”, conta Camila.

Camila Coutinho foi uma das primeiras blogueiras de moda do mundo

Divulgação

A vontade de criar a marca de beleza surgiu depois que Camila foi plagiada. Um concorrente tentou criar uma linha de cuidados para os cabelos com nome nada sutil: "Garota Estúpida". A influencer entrou com um processo e tirou a marca do mercado.

A experiência ruim acendeu a luzinha: era hora de arriscar e diversificar.

"Foi uma decisão pensando no futuro, porque ter um negócio apoiado na sua vida, na sua imagem, faz tudo depender de você. E se eu sofrer um acidente, ficar doente, tiver um burnout? Foi uma medida para poder tirar esse foco de mim”, conta.

Nas palavras de Camila, a nova empreitada mudou sua percepção completamente. “É um outro modelo de negócio, tem muito mais risco. Para ser influenciadora, tudo que você precisa é um celular e internet. Lançar uma marca de beleza, sem investidor, é outro jogo. A brincadeira ficou mais séria, os riscos são muito maiores”, conta.

A empreitada no competitivo mercado de beleza teve que ser bem planejada. Mas ajudou bastante ter o respaldo de uma marca pessoal já consolidada.

Com a pandemia no meio do caminho, Camila bloqueou sua agenda de eventos e fez um “intensivão” de estudos no mundo dos negócios. O crescimento da empresa fala por si: ela não abre números, mas conta com uma equipe de 30 pessoas só na GE Beauty.

“Não sou uma pessoa que sobe de foguete, eu subo de balão. Eu amo o que faço e planejo tudo. E uma das coisas que eu mais gosto é me reinventar. Sempre olho para o que vai ser o futuro dos influenciadores, da comunicação e agora da minha marca de beleza”, diz.

Lu Ferreira

Depois de 15 anos como criadora de conteúdo, a nova aposta de Luísa Ferreira foi uma mistura de empreendedorismo tradicional com sua habilidade de reunir comunidades de seguidores na internet.

Foram 9 meses de trabalho para a inauguração da Looy Club, que junta produção de conteúdo digital de saúde e bem-estar com vendas diretas de produtos.

Nas plataformas da marca é possível encontrar desde roupas para exercícios e tapetes de yoga até caderninhos de planejamento para as atividades. Nas redes sociais, a empresa investe em conteúdo inspirador para motivação.

Lu Ferreira (centro) tomou gosto pela vida saudável durante a pandemia e criou uma comunidade para quem quer seguir o mesmo caminho

Divulgação/Looy

Mas, antes da transformação, a história: Luísa — ou Lu, como ela se apresenta — faz parte da primeira geração que cresceu lado a lado com a popularização da internet.

Do hobby exótico de rabiscar códigos de programação na adolescência nasceu a habilidade de fazer layouts online. Seguiu carreira no design gráfico e tornou-se a responsável por projetos digitais em todos os empregos que passou. “Web design estava nascendo junto comigo, junto com a minha geração”, diz.

Mas durou pouco. Como projeto paralelo, criou um blog pessoal de resenhas gastronômicas. Chamou de “Chata de Galocha”, nome que dava uma pista simpática do nível de exigência nas avaliações.

“O blog tinha acesso, mas foi deslanchar quando comecei a falar de beleza, junto com aquela primeira geração dos blogs de estilo do Brasil. Cheguei a trabalhar em uma revista feminina, e o blog virou a minha revista”, diz ela.

A “revista” virou uma marca multiplataforma, como pede todo projeto digital. Quando os blogs perderam relevância, o Chata de Galocha migrou para um canal no YouTube. A presença nas redes sociais também acompanhou as tendências, hoje dominada pelo Instagram.

Respectivamente, são 1 milhão de inscritos na rede de vídeos e 800 mil na conta pessoal da criadora, o @lutsferreira. Além dos “publis”, a marca desenvolveu produtos licenciados e, claro, registrou e publicou cada passo da vida da dona.

E aí que está o lado B do “sonho da vida de blogueira”. O conteúdo que se mistura com a vida real não permite descanso. Sem ter o que postar, não há faturamento. E mesmo uma viagem de férias se torna um dilema: aproveitar o momento de folga ou produzir conteúdo inédito?

Soma-se a isso a pressão para moldar o conteúdo aos algoritmos. Lu conta que manter a relevância na internet é uma busca incessante pelo formato que gera mais resultado, mesmo que pouco tempo depois as redes sociais lancem novas ferramentas e tudo mude novamente.

“Eu não percebia que estava cansando daquele ritmo. Eu achava normal para a idade que eu tivesse dificuldade para dormir e o tanto que pensava em trabalho. Em 2018, passei por uma consulta com um psiquiatra que constatou sinais de estresse crônico”, diz ela.

A influenciadora pouco teve tempo de iniciar os tratamentos, quando veio a pandemia do coronavírus. Surgiram crises de ansiedade e o diagnóstico de uma doença autoimune, um combo que exigiu uma virada para cuidar da saúde física e mental.

Antes avessa aos exercícios, passou a fazer treinos dentro de casa nas fases mais agudas da pandemia. Conforme o interesse cresceu, percebeu a oportunidade de negócio para quem, como ela, precisava de orientação para fazer a transição para uma vida mais saudável. A experiência pessoal foi o embrião da Looy Club.

“É uma marca voltada para a saúde e bem-estar. Quis montar uma plataforma para quem procura ter um modo de vida mais saudável possa tanto compartilhar conteúdo como ter produtos voltados para isso”, afirma.

Mas montar uma nova marca, nativa digital, também não depende da desenvoltura de entender algoritmos? Lu responde.

“É uma marca independente, que roda sem depender da minha imagem. É muito diferente criar um conteúdo informativo em vez de um conteúdo voltado para o seu estilo de vida. O que cansa é precisar estar o tempo inteiro disponível e se doando para a rede”, diz.

“Agora que estou mais velha, que tenho uma filha de 6 anos, eu aprendi que preciso tirar férias. E a Looy vai me permitir isso, porque é uma marca que tem meu propósito, minhas ideias, mas ela não é sobre mim.”

Histórias de Ter.a.pia

Um casal de namorados — que hoje virou uma dupla de amigos e sócios — e uma ideia simples: ouvir histórias de gente comum, de um jeito familiar.

Nasceu assim, em 2018, o Histórias de Ter.a.pia, um canal no Youtube de minidocumentários biográficos, onde pessoas dividem suas memórias lavando a louça na pia de casa.

"A gente começou contando histórias de pessoas próximas, amigos, familiares e aí descobrimos que existia um público querendo ouvir àquelas histórias", conta Lucas Galdino, jornalista e cocriador do canal.

O público hoje significa mais de 2 milhões de seguidores no Facebook, quase 500 mil no Instagram e 200 mil no Youtube. O desafio, agora, é ampliar os negócios.

Histórias de Ter.a.pia

Lucas Silvestre

Lucas e Alexandre Simone, o cocriador da ideia de sucesso, deixaram suas carreiras na área de comunicação para investir em consolidar o negócio dentro de uma produtora de conteúdo, que toca a marca Histórias de Ter.a.pia.

“Nosso canal é um pouco diferente dos canais de youtubers mais tradicionais, que é uma pessoa falando sobre o que pensa. A gente é quase um veículo de comunicação, uma empresa de comunicação junto com "creator", é uma mistura muito bonitinha”, define Alexandre.

Em 2021, Lucas e Alexandre equilibraram o fluxo de caixa, fazendo também parcerias comerciais com marcas que se identificam com a proposta do canal, e passaram a diversificar os trabalhos para além da internet. Licenciaram a marca para um canal de TV fechada, apresentarão um programa e lançarão um livro.

“O programa de TV é uma outra forma de criar conteúdo e para um outro canal que não seja o nosso”, diz Lucas.

Atualmente a empresa da dupla conta com 2 funcionários fixos e 2 freelancers, e a ideia é aumentar a equipe. Demorou para que eles se vissem como empreendedores de fato.

“Hoje me vejo como empresário, sim. A gente está construindo uma empresa, com várias ideias para crescer e fazer mais fora da internet. Mas a gente não fugiu daquela ideia de quando era só um hobby, a gente só amadureceu essa ideia”, diz Alexandre.