Rompimento de duas barragens agravou situação na Líbia; MAPA mostra percurso da água

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Rompimento de duas barragens agravou situação na Líbia; MAPA mostra percurso da água
Pelo menos 5 mil pessoas morreram e 10 mil estão desaparecidas, estimam as autoridades locais. O rompimento de duas barragens no domingo (10) agravou o cenário na Líbia, que já era tenso por conta de fortes chuvas. Como resultado, as enchentes deixaram mais de 5 mil pessoas mortas e 10 mil desaparecidas. A cidade portuária de Derna foi a mais afetada.

No mapa abaixo, é possível ver onde ficavam as duas barragens em relação à Derna.

g1

As informações divulgadas pelo governo e órgãos líbios podem não ser precisas porque, desde 2011, o país está politicamente dividido entre leste e oeste. Por conta disso, os serviços públicos entraram em colapso. O governo internacionalmente reconhecido em Trípoli não controla as áreas orientais, o que dificulta a obtenção de dados na região. (Leia mais abaixo.)

Em 9 pontos, entenda a cronologia do evento climático:

O fenômeno vem sendo citado com o nome de "tempestade Daniel" porque se desenvolveu inicialmente na Grécia e recebeu esse nome do Serviço Meteorológico Nacional Helênico.

Na Grécia, a primeira morte por causa da chuva extrema foi no dia 5.

Já naquela data autoridades afirmaram que a tempestade era o "maior fenômeno extremo em termos de quantidade de chuva em 24 horas" desde que a Grécia iniciou os registros.

Na Grécia, após cinco dias de tormentas, 15 mortes foram causadas pelas enchentes. A Grécia chegou a ter pontos com 750 milímetros de chuva em 24 horas.

O sistema de tempestades também afetou a Turquia e Bulgária.

A OMM diz que tempestade que atingiu a Europa ganhou características de medicane à medida que se deslocava em direção à Líbia.

Na Líbia, a tempestade atingiu o pico no nordeste no dia 10, com ventos fortes de 70 a 80 km/h.

Ainda na Líbia, chuvas torrenciais de até 240 mm causaram inundações em várias cidades, incluindo Al-Bayda, que registrou 414,1 mm em 24 horas (das 8h do dia 10 até 8h do dia 11), número recorde segundo o Centro Meteorológico Nacional.

Bairros inteiros da cidade de Derna desapareceram depois que duas barragens antigas colapsaram, segundo o serviço meteorológico líbio.

Características do medicane

De acordo com a OMM, o medicane é um fenômeno meteorológico híbrido que exibe algumas características de um ciclone tropical e outras de uma tempestade de latitudes médias.

"Historicamente, a atividade desse tipo de tempestade atinge o pico entre setembro e janeiro", afirma a OMM.

Com atuação similar à de um ciclone extratropical, ele leva esse nome porque ocorre sobre o Mediterrâneo e, visto a partir dos satélites, exibe uma formação de nuvens que se parecem com as de um "olho" de furacão.

O termo foi criado na década de 1980, quando satélites captaram imagens de padrões de nuvens que lembravam um furacão, com o formato de uma espiral, com um centro sem nuvens (o olho do furacão), ao redor do qual havia nuvens e chuva.

Por ocorrer sobre o Mar Mediterrâneo, o nome surgiu da mistura entre as palavras "Mediterrâneo e "furacão" em inglês (hurricane).

No canto esquerdo inferior é possível ver a barragem que foi rompida

Ao contrário do que parece, o principal perigo desse tipo de ciclone não são os ventos, mas sim as chuvas torrenciais que ele provoca, o que explica as inundações.

Segundo Marcelo Martins, meteorologista do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Epagri/Ciram), o Medicane atua como se fosse um ciclone.

"O que aconteceu na Líbia é um fenômeno que acontece muito naquela região porque o mar ali é muito quente. E chove muito, é como se tivesse tido um furacão, as características são praticamente as mesmas", explica Martins.

Três dias antes, o centro meteorológico emitiu alertas sobre o evento climático extremo que se aproximava, notificando todas as autoridades governamentais para que tomassem medidas preventivas. As regiões que viriam a ser atingidas entraram em estado de emergência com base neste aviso.

Cidade destruída

Derna, no leste da Líbia, está entre as cidades mais atingidas pela tempestade. Além do grande acumulado de chuva, a região também enfrentou o rompimento de duas barragens.

g1

Derna é cortada por um rio que desemboca no mar. Por este motivo, a região conta com barragens que foram construídas para proteger o núcleo urbano.

Durante a tempestade, moradores relataram que ouviram explosões, provocadas pelos rompimentos das barragens.

Os rompimentos aconteceram por volta da meia-noite, quando muitos moradores já estavam dormindo.

Segundo as autoridades, a força da água arrastou imóveis e centenas de pessoas em direção ao mar.

Cerca de 25% da cidade desapareceu, de acordo com o ministro da Aviação Civil, Hichem Abu Chkiouat.

A parede de água "apagou tudo em seu caminho", disse o morador Ahmed Abdalla.

Até a última atualização, 5,3 mil mortes haviam sido confirmadas.

Após o rompimento

Derna enfrentou um cenário de guerra após o rompimento das barragens do rio Wadi Derna. Edifícios inteiros desmoronaram, e carros amanheceram empilhados.

Cidade de Derna, uma das mais atingidas pelas enchentes na Líbia

Na segunda-feira (11), a cidade amanheceu inundada. Imagens divulgadas pela televisão local mostraram a água barrenta entre edifícios e casas de Derna.

Com a água baixando aos poucos, as ruas da cidade ficaram cobertas de lama e destroços.

Os corpos das vítimas também começaram a aparecer em diversos locais, como nas ruas, em vales e em cima de prédios.

Hospitais ficaram lotados. Além dos mortos e dos feridos, famílias procuraram por socorro para tentar localizar parentes que tinham desaparecido.

"Nunca me senti tão assustado como agora... Perdi contato com toda a minha família, amigos e vizinhos", disse Karim al-Obaidi que viajou de Trípoli para o leste do país em busca de informações.

A estimativa é de que 10 mil pessoas estejam desaparecidas.

Conflito na Líbia

Em 2011, a Líbia foi dividida entre governos rivais após a queda de Muammar Kadhafi. A administração reconhecida pela ONU está baseada em Trípoli. No entanto, essa gestão não tem controle sobre o leste do país, que foi mais afetado pela tempestade.

Atualmente, a Líbia tem dois primeiros-ministros: Abdul Hamid Dbeibah fica em Trípoli e comanda a faixa oeste; já Ossama Hamad governa o lado leste da cidade de Benghazi.

Ambos os governos possuem apoios de países diferentes. Enquanto Trípoli tem o apoio da Turquia, Catar e Itália, o governo de Benghazi é respaldado por Egito, Rússia e Emirados Árabes.

Mesmo diante da pressão internacional, o país enfrenta dificuldades em ser unificado. Em 2021, uma eleição chegou a ser marcada, mas acabou adiada.

Diante da disputa, conflitos violentos entre grupos rivais já mataram dezenas de pessoas. Em agosto, por exemplo, um confronto entre grupos armados deixou 45 mortos em Trípoli.

A Líbia também possui grandes reservas de petróleo. No entanto, a riqueza reflete muito pouco no dia a dia da população.

A divisão do país e a tempestade provocou o colapso de serviços públicos.

Enchente na Líbia